terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

1 - História, Direito e Verdade

Verdade: Identidade de uma representação com a realidade representada. Quando a representação (isto é, a ideia, o discurso, o texto, a imagem) é idêntica ao real que é representado, essa representação é tida como verdadeira.

Direito é, ao mesmo tempo, um complexo de leis ou normas que regem as relações entre os homens (ou seja, uma estrutura normativa), e também a ciência que estuda essas leis e normas.

História é o próprio passado, mas é também a ciência que estuda esse passado.

Como a ciência histórica e a ciência do Direito lidam com o conceito de verdade?

Imaginem-se enquanto advogados ou promotores produzindo uma verdade. (Pois é isso o que eles fazem: eles recolhem dados, selecionam esses dados e os costuram em um quadro explicativo que tem como objetivo tornar-se uma verdade).

A História, enquanto ciência, também faz isso. A História não é imutável, não é um dado absoluto; ela é construída e reconstruída no decorrer do tempo por vários historiadores – por cientistas da história –, que privilegiam diversos temas e épocas e que, a partir de perspectivas e pontos de vista diferenciados, visam à produção de uma verdade: verdade essa que pode, mais tarde, ser contestada por outros historiadores.

É importante que vocês saibam que o resultado desse processo de produção da verdade histórica depende muito de quem está construindo essa história e de onde esse historiador está falando, ou seja, do lugar social, ideológico e político em que ele está inserido.

Com relação ao advogado ou ao promotor, o que, na minha opinião, determina mais o processo de construção de uma verdade é a necessidade de convencer, de ganhar a causa. E o resultado desse processo depende muito da perspicácia, da argúcia, da capacidade desse profissional em unir fragmentos de discurso, evidências e provas em um todo de sentido coerente, lógico, plausível, convincente.

Às vezes o advogado tem em mãos provas e testemunhos importantes, mas a sua incapacidade de reunir isso tudo num todo de sentido coerente compromete o resultado. E pode acontecer também dele pegar um caso fadado ao fracasso (por falta de fragmentos a serem trabalhados de forma consistente) e ganhar a causa graças à sua capacidade de montar um discurso coerente.

Tanto no trabalho de história quanto no discurso e na retórica do direito – quando esse discurso e essa retórica se fazem necessários –, nós estamos diante do resultado de uma montagem, de uma reunião de “planos-sequência-narrativos” que, ao se juntarem, criam um certo sentido (ou constroem um todo de sentido).

Um exemplo interessante que eu gosto de citar é o daquela famosa cena do assassinato no chuveiro, do filme "Psicose", de Alfred Hitchcock, realizado em 1960. Em nenhum momento a faca toca a vítima, mas a montagem faz parecer que sim. A cena dura poucos segundos, mas tem mais de 30 planos-sequência, que ao serem reunidos na montagem, fazem parecer que a personagem realmente levou todas aquelas facadas.

A montagem mexe com a emoção do espectador: se ela é bem feita, pode extrair de quem vê o resultado os sentimentos mais diversos.

Eu não quero dizer que o historiador, o advogado ou o promotor não estejam preocupados com a verdade. Mas eles sabem que, na grande maioria das vezes (para não dizer “sempre”), a verdade não pode ser atingida.

Dica de filme: Cabo do medo (1991, de Martin Scorsese)

Nenhum comentário:

Postar um comentário