quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

4 - O Direito Grego Antigo - Parte I: contexto histórico

Os gregos surgiram do encontro entre povos de origem indo-européia – os chamados “indo-europeus” –, que viviam em diferentes regiões da Ásia e Europa, com os povos autóctones (que já viviam na península grega antes da chegada dos indo-europeus).

Até hoje, a história desses povos indo-europeus encontra-se, em grande parte, envolta em mistério: existem poucos vestígios arqueológicos sobre eles. O conhecimento mais sistemático que existe sobre os indo-europeus está na filologia, ciência que estuda as línguas. Um filólogo especialista em línguas de origem indo-européia foi o francês George Dumezil. Ele detectou semelhanças entre várias línguas antigas (o grego antigo, o latim, etc.) que, segundo ele, indicam uma origem comum indo-européia.

O que se sabe é que por volta de 2.000 anos a.C. um grupo de indo-europeus, os aqueus, chegaram à península grega e lá se estabeleceram.

A Grécia, na verdade, era formada por três unidades: a península balcânica, as ilhas do mar Egeu e a costa da Ásia Menor. Toda essa região foi ocupada por comunidades de seres humanos na “pré-história”, e por volta de 2.000 a.C. recebeu a influência dos aqueus, que eram povos que, ao que tudo indica, possuíam uma organização social, política e religiosa mais sofisticada que a dos povos autóctones.

A civilização aquéia – ou “grega” – organizou-se em torno da cidade de Micenas e, a partir dali, expandiu-se para outras regiões da península, para as ilhas e para a costa da Ásia Menor. Foi o período da chamada “Expansão Micênica”, iniciada a partir de 1.400 a.C. mais ou menos.

Trata-se de um período muito obscuro para os historiadores porque a única fonte escrita que existe sobre ele são os poemas de Homero “A Ilíada” e “A Odisséia”, que existiam na oralidade já em meados de 800 a.C., mas que só foram escritos em 534 a.C., muitos séculos depois dos fatos ocorridos. Não se sabe nem se Homero existiu, se era um indivíduo ou uma escola de poetas.

Na ilha de Creta, nesse processo de expansão, os gregos aprenderam com os povos que lá viviam a metalurgia do bronze, o uso da escrita e aperfeiçoaram a arte da navegação. Nesse período, também, o comércio e o artesanato se desenvolveram e os gregos construíram grandes palácios em suas cidades, a partir dos quais eles governavam seus territórios. A unidade política era a da cidade-estado, semelhante à da Mesopotâmia. Essa expansão e crescimento da civilização micênica teria se dado entre 1.400 e 1.200 a.C.

Por volta de 1.200 a.C. os palácios micênicos foram incendiados e destruídos. Foi nessa época também que a Grécia e a ilha de Creta foram invadidas pelos dórios, outros povos de origem indo-européia. Só não se sabe se foram eles que incendiaram e destruíram os palácios micênicos, colocando fim a essa civilização.

Com a destruição dos últimos palácios micênicos e a desagregação do sistema social controlado e mantido por eles – o chamado “sistema palaciano” –, a cultura grega desapareceu. Lembrem-se que os aqueus (ou gregos) haviam aprendido a metalurgia do bronze, o uso da escrita e a arte da navegação através do contato que eles mantiveram com uma civilização autóctone mais avançada, a cretense (que vivia na ilha de Creta). Graças a esse aprendizado, a civilização micênica se desenvolveu muito, principalmente devido ao comércio que se estabeleceu com as ilhas e com a Ásia Menor, que foi impulsionado pelo melhoramento técnico na arte da navegação.

Com a invasão dos dórios, a Grécia entrou num período de estagnação. Houve um enfraquecimento das atividades urbanas, do comércio, do artesanato, e a própria escrita deixou de ser utilizada. Foram tempos obscuros, que os historiadores chamam de “Idade das Trevas”. As comunidades diminuíram, empobreceram, isolaram-se; as trocas comerciais reduziram-se a quase nada. Extinguiu-se o contato dos gregos com outras culturas da Ásia Ocidental. Esse período vai de em torno de 1.200 até cerca de 800 a.C.

No final da Idade das Trevas ocorreu uma transformação importante nas comunidades gregas.

Quando os dórios invadiram a Grécia, por volta de 1.200 a.C. (foram eles que construíram a cidade de Esparta), teve início um processo de ruralização intensa. As cidades se tornaram comunidades rurais – os genos – que eram liderados pelo homem mais velho, e nesses genos a propriedade da terra era de todos (era uma propriedade comunal). Só que haviam terras mais férteis que outras, e como quase toda a população se dedicava à produção de alimentos para a subsistência, muitos camponeses se estabeleceram em terras inférteis. Isso gerou uma disputa pelo direito de explorar as terras cultiváveis que, de certa forma, só foi solucionado com o estabelecimento da propriedade privada pelos “aristoi” (os melhores, descendentes dos primeiros indo-europeus), que vinham, desde muito tempo, concentrando em suas mãos as terras mais férteis. Surgia assim uma aristocracia da terra e, junto com ela, o regime “aristocrático”: a Aristocracia (“governo de poucos” ou “governo dos melhores”).

É interessante notar que a literatura grega dos séculos VIII e VII a.C. só fez aumentar o poder dessa aristocracia, dizendo que os nobres eram descendentes de heróis mitológicos, e criando cenas em que os não-nobres apareciam como seres desprovidos de inteligência. Por exemplo, na obra “A Ilíada”, de Homero, tem uma cena em que um não-nobre chamado Tercídides faz acusações aos nobres. Ulisses, que era um nobre (e é o herói da “Ilíada”), pega o seu cetro e dá uma cacetada na cabeça do não-nobre, que chora. E assim diz Homero: “E os gregos riem de Tercídides”.

Durante o período micênico, a autoridade das cidades era a Monarquia, ou “governo de um só”, baseada na propriedade comunal. No final do período das Trevas, por volta de 900-800 a.C., a autoridade das cidades passa a ser a Aristocracia.

Apesar de ter havido um desenvolvimento cultural intenso a partir dessa época, a mudança no regime de propriedade e na política fez com que um número significativo de indivíduos migrasse para outras regiões e estabelecesse colônias fora de sua cidade de origem.

As cidades gregas tinham, nessa época, cerca de 5.000 habitantes, a população aumentava cada vez mais, e esse aumento demográfico não era acompanhado por um aumento da produção de alimentos. Aumenta o número de não-nobres, de povo, indivíduos que passam a pressionar a aristocracia no sentido de uma maior participação nas tomadas de decisões visando, logicamente, diminuir a desigualdade social.

A primeira tentativa por parte da aristocracia das cidades gregas – ou pólis gregas – no sentido de solucionar esse problema foi financiar a colonização de outras regiões, diminuindo assim os efeitos da explosão demográfica sobre a economia. Assim, os gregos colonizaram extensas áreas da Ásia Menor, diversas ilhas, a Sicília, o sul da Itália (a Magna Grécia) e extensas áreas em torno do Mar Negro, fundando novas cidades que passaram a fazer parte do circuito comercial grego.

Durante esse período, a moeda começa a ser utilizada e, logo em seguida, surge o câmbio, porque cada cidade tinha a sua moeda (a moeda era símbolo de autonomia política), o que facilitou enormemente o comércio.

Bizâncio foi uma cidade fundada pelos gregos nesse processo de colonização por volta do século VII a.C., e que mais tarde seria a sede do Império Romano do Oriente, com o nome de Constantinopla. Hoje, a antiga Binzâncio, fundada pelos gregos, depois Constantinopla, sede do Império Romano do Oriente, é Stambul, uma das cidades mais importantes da Turquia.

Mesmo com o sucesso da colonização, que impulsionou o comércio e o desenvolvimento econômico de todas as cidades gregas, a contestação à ordem aristocrática continuou. Um dos fatores que ajudam a entender essa contestação foi a entrada dos não-nobres nos exércitos das cidades. Antes, só nobres faziam parte do exército. A partir dos anos 700 a.C., não-nobres passaram a ser recrutados, e como essa camada da sociedade passou a ser importante para a defesa da cidade, ela passou a achar ainda mais legítima a sua participação no governo.

A aristocracia fez concessões ao povo em quase todas as cidades gregas, mas as transformações políticas mais radicais ocorreram em Atenas, cidade fundada pelos jônios, povos indo-europeus que ali chegaram por volta de 1.800 a.C.

Com a pressão do povo no sentido de uma maior participação nas tomadas de decisões, surge a Tirania, um governo ditatorial, comandado por um tirano: um nobre que se aproveitava da situação para tomar o poder de forma absoluta. Não era uma monarquia tradicional porque o tirano não era filho de rei e o poder não era hereditário; não era também uma aristocracia, porque o governo não era de poucos, mas de um só.

A diferença maior entre a Aristocracia e a Tirania é que os tiranos tomavam medidas populares no sentido de diminuir a desigualdade social e trazer o povo para o seu lado: distribuíam dinheiro, realizavam obras públicas (que geravam emprego) e festas, mandavam juizes para fazer justiça ao povo, enfim, eram líderes populistas, que ficavam no poder por pouco tempo, porque outros nobres conseguiam rapidamente convencer o povo de que o poder estaria melhor em suas mãos, davam um golpe e tomavam a liderança.

Em Atenas foram criados dois órgãos de participação nas tomadas de decisões que, mais tarde, por volta de 500 a.C., revolucionariam a política ateniense: a Boulé e a Eclésia. A Boulé era um conselho administrativo composto por 400 membros, cidadãos atenienses, responsável pela administração e pela preparação das leis. A Eclésia era uma Assembléia popular que aprovava ou não as determinações e leis que partiam da Boulé. No entanto, na Tirania, quem tinha a autoridade máxima ainda era o tirano (que assegurava os privilégios da aristocracia).

Em 507 a.C. , após a expulsão de um tirano do poder, dois grupos aristocráticos se enfrentaram em Atenas: um, liderado por Iságoras, e outro liderado por Clístenes. Clístenes se aliou com o demos (ou “povo”), e no momento em que Iságoras estava prestes a tomar o poder e instituir uma nova tirania em Atenas, Clístenes fez entrar o demos na praça pública e tomou o poder.

Todos esperavam que Clístenes fosse se tornar mais um tirano, mas isso não aconteceu. O que Clístenes fez foi entregar o poder de Atenas ao demos, criando assim a democracia, “o governo do demos”.

Até hoje existe uma dúvida sobre o que era, de fato, o demos: se era todo o povo de Atenas ou todo o povo pobre de Atenas. Alguns historiadores tendem a achar que era todo o povo; outros, que era todo o povo pobre; mas o que se sabe é que a democracia criada por Clístenes em 507 a.C. permitiu uma ampla participação política de todos os homens livres nascidos em Atenas.

Eram cidadãos atenienses todos os homens livres nascidos em Atenas, e somente os cidadãos atenisenses tinham direito de participar ativamente das tomadas de decisões políticas. Da categoria de cidadãos estavam excluídos as mulheres, os escravos e os estrangeiros (não nascidos em Atenas).

Quando Clístenes tomou o poder, ele dividiu o território de Atenas em 10 regiões, que correspondiam a 10 grupos populacionais, 10 tribos. Em cada tribo realizava-se um sorteio para definir quais cidadãos, daquela tribo, participariam da Boulé, que era o Conselho administrativo, que a partir de Clístenes passou a ser composto de 500 membros não permanentes. A Boulé se reunia para colocar em ordem o que seria tratado e decidido pela Eclésia ou Assembléia, que era o órgão de maior poder e do qual todos os cidadãos atenienses podiam participar .

As reuniões da Eclésia aconteciam uma vez por mês, começavam ao nascer do sol e terminavam ao pôr do sol. As pessoas se reuniam na praça pública, a Ágora, e lá votavam, levantando as mãos, as leis e propostas da Boulé. Definido o que seria feito, entrava em ação o poder executivo, composto por magistrados eleitos, cada um exercendo uma função diferente.

A diferença em relação à época dos tiranos, é que a Eclésia Clássica, pós-Clístenes, tinha poder de fato. Na Tirania, o povo vaiava ou aplaudia, mas não decidia nada. A partir de 507 a.C., a Assembléia ateniense passa a ter poder de fato, e a participação era direta, o que é raro na história.

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Indicação de leitura

Sobre o Direito no Oriente Antigo (Egito e Mesopotâmia), recomendo a vocês a leitura do capítulo 2 do livro "Fundamentos de História do Direito", organizado por Antonio Carlos Wolkmer (disponível na Biblioteca da FAPAM). O texto, de autoria de Cristiano Paixão Araújo Pinto, é "Direitos e Sociedade no Oriente Antigo: Mesopotâmia e Egito".

A História dos Direitos Humanos

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

3 - Direito e Sociedade no Oriente Antigo


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Para assistir a um vídeo de 8 minutos sobre a unificação do Egito, ocorrida por volta de 3.000 a.C.: CLIQUE AQUI

Código de Hamurabi: BAIXE AQUI

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Resumo - O Direito nas Sociedades Primitivas

Exercício - O Direito nas Sociedades Primitivas

Proponho a vocês um exercício de comparação. (Não vale nota, ok?):

Assistam aos dois vídeos a seguir. O vídeo 1 é sobre uma espécie de hominídeo que viveu na África por volta de 1.700.000 anos atrás. O vídeo 2 já é sobre uma espécie que viveu na Europa por volta de 15.000 anos atrás.

Que diferenças vocês observam entre as duas espécies?

Em que épocas da chamada "pré-história" elas viveram?

Como vocês descreveriam o direito nos dois períodos retratados pelos vídeos?

Reflitam sobre isso e, se quiserem, compartilhem suas análises com seus colegas no blog.

VÍDEO 1

VÍDEO 2


sábado, 11 de fevereiro de 2012

2 - O Direito nas Sociedades Primitivas

Segundo John Gilissen, no seu livro Introdução Histórica ao Direito, a pré-história do direito escapa quase inteiramente ao nosso conhecimento por não terem as sociedades primitivas deixado registros escritos de suas estruturas normativas, de suas leis.

Mas sabe-se da existência de leis nas sociedades sem escrita, porque, quando surgiu a escrita, por volta de 4.000 – 3.500 anos antes de Cristo, já existiam regras tradicionais que vinham do tempo em que não havia escrita: por exemplo, o casamento enquanto instituição já existia; o poder paternal também; a propriedade mobiliária, regras de sucessão, doação, troca e empréstimo também já existiam.

No entanto, embora saibamos que existia um direito primitivo, acessá-lo é muito difícil. O que os historiadores do direito fazem são reconstituições hipotéticas, partindo da análise de sociedades sem escrita que ainda existem no mundo, o que, segundo Jonh Gilissen, é um método não muito confiável.

Para explicar a história do direito nas sociedades primitivas, vamos partir do pressuposto de que os antepassados do homem moderno surgiram na África entre 3 e 5 milhões de anos a. de C., como resultado de uma diferenciação evolutiva no tronco dos primatas.

Esses antepassados do homem moderno – os hominídeos – foram evoluindo e se diferenciando, aprimorando técnicas e adaptando o meio ambiente às suas necessidades. Esse gênero hominídeo (ou homo) deu origem a várias espécies, mas a única que sobreviveu foi a espécie homo sapiens sapiens (ou homo sapiens moderno), que somos nós.

O homo sapiens moderno surgiu na Era paleolítica (ou Primeira Idade da Pedra, também chamada de Idade da pedra lascada), que vai desde as origens da humanidade até cerca de 10 mil anos a. C.

No paleolítico predominou o nomadismo (a necessidade das comunidades migrarem de uma região para outra). Os hominídeos começaram a se organizar em pequenas comunidades ou clãs – clã é uma reunião de famílias –, em torno de interesses comuns; mas os laços de união entre os indivíduos não eram muito fortes, e essas comunidades não eram muito estáveis, porque a vida exigia que elas se deslocassem com frequência à procura de alimentos. A atividade básica era a coleta de frutas e raízes, reservada às mulheres, e a caça, reservada aos homens.

O primeiro mecanismo mais sofisticado elaborado pelo cérebro humano foi o arco, para atirar flechas, no período paleolítico. Foi nesse período também que os hominídeos inventaram o arpão e o anzol, o que demonstra a importância da caça e da pesca na vida desses grupos humanos.

Entre 200 e 100 mil anos a. C. surgiu o homem moderno (o homo sapiens sapiens), e com ele novos desenvolvimentos técnicos podem ser observados, além de uma maior capacidade de simbolização, através das pinturas e esculturas.

No campo do direito, o que se observa é que a simplicidade daquelas comunidades (a pouca complexidade das relações sociais) refletia-se numa correspondente simplicidade do direito – direito aqui entendido enquanto lei e ordem (porque direito pode ser também ciência ou ideal de justiça).

O direito primitivo era, na sua essência, o costume tradicional da comunidade, passado de geração a geração. Quem não respeitasse os costumes do grupo, poderia ser banido, e isso significava, muitas vezes, a morte, pois o homem não conseguia sobreviver longe do seu grupo.

O direito no paleolítico era um direito costumeiro, não escrito – é o que a gente chama de direito consuetudinário –, que ordenava uma sociedade extremamente simples: as mulheres saíam em busca de alimentos nos bosques e florestas, cuidavam dos filhos, preparavam os alimentos; os homens caçavam e procuravam abrigos nas cavernas. Quando faltava alimento na região, eles migravam e se estabeleciam temporariamente numa região mais abundante de vegetais comestíveis, água e caça.

Por volta de 10 mil anos a. C. ocorreu uma mudança no clima da Terra que influenciou a vegetação e o comportamento dos animais. Os vegetais comestíveis se tornaram mais escassos e as dificuldades para encontrar caça aumentaram. Isso fez com que os homens começassem a desenvolver técnicas agrícolas e a domesticar os animais para a alimentação. O homem se tornou agricultor de trigo, cevada e aveia, e pastor de gado, ovelhas, búfalo, porco, etc., e essa nova situação fez com que ele se sedentarizasse, ou seja, se fixasse numa determinada região .

Não havia mais necessidade de sair a procura de vegetais para coleta e animais para caça, pois o homem passou a produzi-los. Isso gerou uma estabilidade muito grande, e o resultado dessa estabilidade não foi uma sociedade mais simples. Pelo contrário, as sociedades primitivas se tornaram mais complexas e, consequentemente, o direito também.

Essa mudança climática ocorrida por volta de 10 mil anos a. C. foi tão significativa para a história da humanidade, que ela marca o início de uma nova era: a Era neolítica – ou Nova Idade da Pedra, também conhecida como Idade da pedra polida, devido ao maior desenvolvimento técnico.

O processo de sedentarização não se deu da mesma forma em todas as regiões. Na Europa, por exemplo, ele foi mais demorado, enquanto no Oriente Médio ele se deu primeiro, pois antes mesmo da agricultura, as comunidades primitivas do Oriente já estocavam grãos, como aveia e cevada, que cresciam nas pastagens sem o controle do homem. Para estocar os alimentos, os homens construíram celeiros e acabaram se estabelecendo numa só região. Assim, com o tempo, acabaram desenvolvendo as técnicas de agricultura, e ao mesmo tempo aprenderam a domesticar os animais, sobretudo ovelhas, carneiros e cabras selvagens, que se aproximavam das pastagens de cereais para se alimentarem. Na Europa não havia essas pastagens naturais de cereais, e os homens tinham que continuar se deslocando para tentar encontrar caça, frutas e raízes.

Uma das consequências da agricultura, da pecuária e da sedentarização foi o aumento populacional, graças ao aumento da produção alimentar e à estabilidade gerada pela própria sedentarização. A agricultura e a pecuária facilitaram muito o sustento e a manutenção das crianças, reduziu o esforço das mulheres (que não precisavam mais carregar seus filhos de um lado para outro), e isso gerou uma situação mais favorável à reprodução.

Esse aumento populacional, ocorrido em comunidades humanas sedentárias, fixas, fez com que as sociedades se tornassem mais complexas: um número maior de pessoas vivendo em comunidade implica um número maior de encontros sociais, de trocas sociais. Se antes um indivíduo se relacionava apenas com uma ou duas pessoas no seu dia a dia, com o aumento populacional, ele vai se relacionar com um número maior de pessoas, e de formas diferentes, com objetivos diferentes. As relações sociais tornam-se mais complexas, e é a partir da avaliação da complexidade das relações sociais que determinamos a complexidade da própria sociedade.

Uma mudança importante que ocorreu após a sedentarização, no período neolítico, foi que a mulher deixou de simplesmente coletar vegetais e passou a cultivar os campos, a colher cereais nas épocas de colheita, a fiar e tecer a lã; o homem preparava os cultivos, construía casas – nesse período as comunidades saíram definitivamente das cavernas –, cuidava do gado, fabricava ferramentas bem mais sofisticadas (em pedra polida e metais), estocava alimentos e defendia esses alimentos dos ataques de inimigos.

Foi um período de urbanização e de intensa divisão social do trabalho: a sociedade se tornou mais complexa, as atividades se diversificaram porque novas necessidades surgiram. A agricultura e a pecuária exigiram que a mulher se desdobrasse em outras atividades (colheita e tecelagem); a necessidade de defender os alimentos estocados de inimigos levou a um processo de militarização; e a complexidade dos rituais sagrados fez com que surgisse a figura do “chefe do ritual”, que cuidava dos assuntos religiosos: o sacerdote, espécie de líder que, com o tempo, passaria a ser a figura mais importante da sociedade, inclusive enquanto ditador de normas, produtor de direito.

Já não estamos mais diante de uma comunidade primitiva nômade, que trocava de caverna sempre que a necessidade de alimentos exigia e que era pouco complexa na sua organização social e divisão do trabalho. As comunidades primitivas do neolítico eram mais complexas: já havia uma maior divisão do trabalho, ou seja, uma maior diversidade de ocupações, e, com o tempo, essas mudanças iriam se acelerar cada vez mais, rumo a uma urbanização cada vez mais intensa.

É claro que isso teve repercussões no campo do direito. Por exemplo, a mulher perdeu a importância que tinha no paleolítico: antes, quando o homem não conseguia caça, ele dependia do que a mulher coletava. O trabalho da mulher era muito importante, porque se não houvesse caça, era a coleta de frutos e outros alimentos vegetais realizada pela mulher que garantia a alimentação do grupo. No neolítico, o homem passa a estocar alimentos, e o processo de militarização originado da necessidade de defender o alimento estocado – e a especialização masculina nessa atividade de defesa – fizeram com que o homem se percebesse enquanto um ser mais forte, superior à mulher. Lembrem-se que o costume se confundia com o direito, e se o costume determinava que a mulher tinha menos importância na organização social, a lei também a percebia assim.

Outro exemplo interessante é o do sacerdote. Como vimos, no período neolítico os rituais sagrados ficam mais complexos e passa a existir uma figura que vai aos poucos se especializando na organização desses rituais: o sacerdote. Rapidamente, devido à importância que as comunidades passaram a atribuir ao Sagrado, o sacerdote passou a ser cada vez mais respeitado – respeitado inclusive enquanto “ditador” dos costumes, das normas, responsável pelo cumprimento das normas de conduta, etc.

Começa, então, a haver uma diferenciação hierárquica maior entre as pessoas, embora não ainda ligada à posse de bens materiais, mas à posição social, ao tipo de atividade exercida. Os costumes mudaram para se adaptar à nova realidade.

E a revolução continuou: o homem começa a produzir cerâmicas, desenvolve ainda mais as técnicas de produção de tecidos e, o mais importante, aprimora a metalurgia.

A sociedade se tornou ainda mais complexa: alguns setores se especializaram em cerâmica, outros em tecelagem, outros na metalurgia, fora a agricultura, a pecuária e as atividades religiosas, monopólio dos sacerdotes, que ganhavam cada vez mais poder.

Imaginem as relações estabelecidas entre elementos desses vários setores: quem se especializou em cerâmica e precisasse de metal tinha que se dirigir a quem conhecesse a metalurgia, e vice-versa. Para comer, todos tinham que se dirigir ao pecuarista ou agricultor, caso não produzissem seu próprio alimento. Entenderam a complexidade das relações sociais? Surgiram novas situações que precisavam ser normatizadas, por isso a estrutura normativa (o direito) se tornou mais complexa.

A população cresce e as aldeias aumentam de tamanho, exigindo a formação de estruturas administrativas mais sofisticadas para coordenar as atividades produtivas, sociais, culturais e de defesa. Junto com a estrutura administrativa, torna-se mais complexa a estrutura jurídica, que continua baseada no direito consuetudinário ou costumeiro (não escrito), o que não o impede de se tornar cada vez mais complexo.

O cientista político Norberto Bobbio diz o seguinte em um de seus livros: "Hoje estamos acostumados a pensar no direito em termos de codificação, como se ele devesse necessariamente estar encerrado num código. Isto é uma atitude mental particularmente enraizada no homem comum e da qual os jovens que iniciam os estudos jurídicos devem procurar se livrar".

Livrem-se, então, dessa idéia. Mesmo não codificado, não escrito, o direito existe na sua forma consuetudinária.

Vamos ver agora como duas grandes comunidades primitivas do neolítico evoluíram e se transformaram em duas grandes civilizações: a civilização egípcia e a civilização mesopotâmica:

Com a mudança climática ocorrida no neolítico, regiões antes úmidas tornaram-se secas, e algumas comunidades nômades se fixaram nas margens de grandes rios. No Egito, os povos se fixaram nas margens do rio Nilo; e na Mesopotâmia – região que hoje corresponde mais ou menos ao que é o Iraque – eles se fixaram na região localizada entre os rios Tigre e Eufrates.

Quando destacamos as civilizações egípcia e mesopotâmica, muitas pessoas acreditam que todas as comunidades primitivas do neolítico desapareceram, restando somente essas duas grandes civilizações. Não é verdade. O neolítico havia ficado para trás por volta de 6000 anos a. C., mas as comunidades continuaram a se desenvolver, em diversas regiões da África, Ásia e Europa, tendo inclusive ocorrido migrações de povos para outras regiões, como, por exemplo, para o continente americano, onde deram origem aos povos que aqui estavam quando da chegada dos colonizadores europeus, nos séculos XV e XVI.

A diferença é que as comunidades que originaram as civilizações egípcia e mesopotâmica se desenvolveram de forma muito mais sofisticada, criando verdadeiros impérios.

Isso, de certa forma, também ocorreu na América. Nas regiões onde hoje é o México e o Peru, as comunidades primitivas que migraram para a América na pré-história constituíram, com o tempo, civilizações bastante complexas: os Maias, os Incas e os Astecas, que se diferenciavam, na sua complexidade, dos outros povos americanos (os índios brasileiros, por exemplo).

Essa diferenciação ocorreu no Egito e na Mesopotâmia, dando origem a duas grandes civilizações, bastante complexas na sua organização; por isso são essas duas civilizações que se tomam como paradigmas, modelos, para se estudar um capítulo da história da civilização e, também, da história do direito, porque foi ali que surgiram os primeiros textos jurídicos escritos.

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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

1 - História, Direito e Verdade

Verdade: Identidade de uma representação com a realidade representada. Quando a representação (isto é, a ideia, o discurso, o texto, a imagem) é idêntica ao real que é representado, essa representação é tida como verdadeira.

Direito é, ao mesmo tempo, um complexo de leis ou normas que regem as relações entre os homens (ou seja, uma estrutura normativa), e também a ciência que estuda essas leis e normas.

História é o próprio passado, mas é também a ciência que estuda esse passado.

Como a ciência histórica e a ciência do Direito lidam com o conceito de verdade?

Imaginem-se enquanto advogados ou promotores produzindo uma verdade. (Pois é isso o que eles fazem: eles recolhem dados, selecionam esses dados e os costuram em um quadro explicativo que tem como objetivo tornar-se uma verdade).

A História, enquanto ciência, também faz isso. A História não é imutável, não é um dado absoluto; ela é construída e reconstruída no decorrer do tempo por vários historiadores – por cientistas da história –, que privilegiam diversos temas e épocas e que, a partir de perspectivas e pontos de vista diferenciados, visam à produção de uma verdade: verdade essa que pode, mais tarde, ser contestada por outros historiadores.

É importante que vocês saibam que o resultado desse processo de produção da verdade histórica depende muito de quem está construindo essa história e de onde esse historiador está falando, ou seja, do lugar social, ideológico e político em que ele está inserido.

Com relação ao advogado ou ao promotor, o que, na minha opinião, determina mais o processo de construção de uma verdade é a necessidade de convencer, de ganhar a causa. E o resultado desse processo depende muito da perspicácia, da argúcia, da capacidade desse profissional em unir fragmentos de discurso, evidências e provas em um todo de sentido coerente, lógico, plausível, convincente.

Às vezes o advogado tem em mãos provas e testemunhos importantes, mas a sua incapacidade de reunir isso tudo num todo de sentido coerente compromete o resultado. E pode acontecer também dele pegar um caso fadado ao fracasso (por falta de fragmentos a serem trabalhados de forma consistente) e ganhar a causa graças à sua capacidade de montar um discurso coerente.

Tanto no trabalho de história quanto no discurso e na retórica do direito – quando esse discurso e essa retórica se fazem necessários –, nós estamos diante do resultado de uma montagem, de uma reunião de “planos-sequência-narrativos” que, ao se juntarem, criam um certo sentido (ou constroem um todo de sentido).

Um exemplo interessante que eu gosto de citar é o daquela famosa cena do assassinato no chuveiro, do filme "Psicose", de Alfred Hitchcock, realizado em 1960. Em nenhum momento a faca toca a vítima, mas a montagem faz parecer que sim. A cena dura poucos segundos, mas tem mais de 30 planos-sequência, que ao serem reunidos na montagem, fazem parecer que a personagem realmente levou todas aquelas facadas.

A montagem mexe com a emoção do espectador: se ela é bem feita, pode extrair de quem vê o resultado os sentimentos mais diversos.

Eu não quero dizer que o historiador, o advogado ou o promotor não estejam preocupados com a verdade. Mas eles sabem que, na grande maioria das vezes (para não dizer “sempre”), a verdade não pode ser atingida.

Dica de filme: Cabo do medo (1991, de Martin Scorsese)