segunda-feira, 9 de julho de 2012

Notas finais e Exame Especial

Caros alunos,

Acabo de enviar para a secretaria da FAPAM as notas finais de História do Direito. As funcionárias só chegam depois de meio-dia, por isso as notas só deverão estar no sistema depois das 13 horas. Quem não tiver alcançado 60 pontos poderá se apresentar amanhã para fazer o Exame Especial, que valerá 40 pontos. Trata-se de uma 2ª chance. Os mesmos pontos que vocês precisavam na 3ª avaliação (em 40) vocês deverão tirar no Exame Especial. A matéria é a mesma da 3ª avaliação.

ATENÇÃO:
Os alunos do 1º A que quiserem fazer o Exame Especial às 19 horas, compareçam à sala do 1º B nesse horário. Às 20h40min, o exame será na sala do 1º A.

Hoje à noite vou ver com a Sônia a melhor forma de devolver a vocês as provas referentes à 3ª avaliação.

Um abraço e muito obrigado. Gostei muito de trabalhar com vocês.

Flávio Marcus da Silva

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Vídeo-aula de Boris Fausto: "Era Vargas" (1930-1945)

Dica de Leitura: "Cidadania no Brasil"

Esta leitura não será cobrada na nossa avaliação, mas quem a fizer certamente estará melhor preparado para as questões. Trata-se do capítulo 2 do livro Cidadania no Brasil: o longo caminho, de José Murilo de Carvalho (disponível na Biblioteca da FAPAM). Seu título é Marcha acelerada (1930-1964).

Dica de Leitura: "Gente de 1932"

Compartilho com vocês um texto muito interessante de Roberto Pompeu de Toledo, publicado recentemente na Revista Veja, sobre alguns personagens da Revolução Constitucionalista de 1932.

Para ler, CLIQUE AQUI

22 - O Direito no Brasil Republicano - Parte III: Instabilidade Constitucional e Direitos Sociais na Era Vargas (1930-1945... 1964)


A legislação trabalhista, implementada no Brasil pelo governo Vargas (1930-1945), foi um conjunto de leis que concedia determinados direitos aos trabalhadores, como jornada de oito horas de trabalho, aposentadoria, descanso remunerado, férias, etc. Ao tomar o poder, em 1930, Vargas abraçou a causa dos trabalhadores e apresentou essa legislação como uma dádiva, um ato de generosidade, e logo se criou, em torno do presidente, um mito: o de “pai dos pobres”.

As constituições de 1934, 1937 e 1946 criaram uma certa instabilidade política no Brasil ao tentarem conciliar dois elementos aparentemente antagônicos:  Desenvolvimento Capitalista e Direitos Trabalhistas.

Essas constituições teriam sido “constituições de compromisso” ou “constituições dilatórias”, ou seja, tinham como objetivo retardar um determinado processo conflituoso que, mais cedo ou mais tarde, se acentuaria.

Mas vamos seguir a linha dos fatos para entendermos melhor essa questão:   

Assim que tomou o poder, em 1930, Vargas destituiu os governadores dos estados e nomeou interventores de sua confiança (que nomearam prefeitos para os municípios) até que uma nova Constituição fosse elaborada, garantindo, novamente, a autonomia federalista aos estados.

Em Pará de Minas, quem chefiou o movimento político da Aliança Liberal, que colocou Vargas no poder, foi Benedito Valadares, que assumiu a prefeitura do município em 1930, permanecendo ali até março de 1933, quando se exonerou para fazer parte da Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição que seria promulgada em 1934. 

Em 1932, o estado de São Paulo se revoltou contra o governo federal. (Lembrem-se que a Revolução de 1930 afastou a elite cafeicultora paulista do poder). Muitos autores acreditam que  essa revolta, conhecida como “Revolução Constitucionalista de 1932”, do estado de São Paulo contra o governo federal (exigindo uma constituição que garantisse, novamente, o federalismo, a autonomia para os estados), não passou de uma tentativa de derrubar Vargas e restaurar o Partido Republicano Paulista novamente no poder. A Revolução foi violentamente reprimida pelas tropas do governo.

Ao convocar eleições para a Assembléia Constituinte, Vargas promulgou a nova Lei Eleitoral, que estabelecia o voto secreto, concedia às mulheres o direito de votar e serem votadas, e criava a Justiça Eleitoral, para garantir a transparência e a idoneidade do processo eleitoral, o que na República Velha não existia.

Foi criada também a representação classista: 40 deputados da Assembléia Legislativa Federal seriam eleitos pelos sindicatos patronais e de trabalhadores, repartidos assim: 17 empregadores, 18 empregados, 3 profissionais liberais e 2 funcionários públicos. Esses 40 deputados classistas se juntariam a 214 deputados eleitos pelo povo, pelo voto direto.

(Muitos autores afirmam que essa foi uma estratégia de Getúlio Vargas para frear o avanço do Partido Comunista, que tinha como objetivo tomar o poder e implantar o comunismo no Brasil).

Os comunistas eram totalmente contrários aos interesses da burguesia capitalista, pois seu objetivo era tomar o poder e acabar com a propriedade privada no país: tudo passaria a pertencer ao Estado, que garantiria uma distribuição igualitária das riquezas e todos os serviços básicos a 100% da população – era essa, pelo menos, a proposta comunista.

É claro que isso não era do interesse da burguesia brasileira, que estava ao lado de Getúlio Vargas no poder, embora sempre em atritos com o presidente por causa dos direitos trabalhistas garantidos ao trabalhador. Esses direitos a burguesia podia até tolerar, mas o comunismo, não; e Vargas era anti-comunista, porque ele queria fortalecer o capitalismo no Brasil, a industrialização, garantindo ao povo (mais como estratégia de poder do que bondade) os direitos sociais/trabalhistas.    

Embora as leis trabalhistas tenham criado o salário mínimo, o domingo remunerado, as férias remuneradas, etc., favorecendo os trabalhadores, a lei eleitoral que as acompanhou diminuiu de forma significativa o poder dos sindicatos, que eram os órgãos de representação das classes trabalhadoras. O governo federal ajudava os sindicatos com todo o apoio logístico necessário para que eles elegessem deputados sindicalistas, dentro do sistema de representação classista, e, como estava previsto, em 1934 pessoas ligadas aos sindicatos foram eleitas para o Congresso Federal. Esses deputados eleitos pelos sindicatos caíram, então, na esfera de influência dos outros deputados e do próprio presidente, que tinha muitos aliados no Congresso, e muitos deles acabaram se tornando “Pelegos Sindicais”, uma espécie de "amortecedor" entre o governo e o sindicato. Isso diminuía o poder do sindicato, órgão máximo de representação dos trabalhadores, e, é claro, diminuía a possibilidade de uma união entre os trabalhadores sindicalizados e o Partido Comunista contra o governo capitalista de Vargas.

Diante dessa situação, o Partido Comunista Brasileiro começou a organizar um movimento no sentido de tomar o poder à força, tirar Vargas do poder e implantar um governo comunista no Brasil, com o apoio de alguns elementos do Exército. Foi a chamada “Intentona Comunista de 1935”, que teve como um de seus principais articuladores Luís Carlos Prestes, um dos maiores líderes comunistas que o Brasil já teve, e sua esposa, Olga Benário Prestes (alemã, judia e comunista, presa pelo governo Vargas e devolvida ao seu país de origem, onde foi condenada à morte).

Essa tentativa desesperada dos comunistas tomarem o poder serviu de pretexto paraVargas decretar estado de sítio e reprimir violentamente o movimento. Cerca de 6.000 pessoas foram presas.

O mandato de Getúlio Vargas deveria terminar no começo de 1938, quando seriam realizadas novas eleições presidenciais. Na verdade, em 1934 já devia ter acontecido uma eleição presidencial, mas a Assembléia Constituinte (que elaborou a Constituição de 34) elegeu Vargas para um outro período na presidência, que duraria até o começo de 1938. 

O que aconteceu foi que, em 1937, os aliados de Vargas anunciaram a descoberta de um plano terrorista atribuído aos comunistas, cuja execução custaria a vida de centenas de pessoas. O plano, como foi constatado posteriormente, era falso, mas serviu de pretexto para Vargas dar um golpe de estado e instituir uma ditadura, que ficou conhecida como Estado Novo, em novembro de 1937. 

O que nós vamos destacar desse governo ditatorial de Getúlio Vargas, que vai de 1937 até 1945, são as novidades no campo do direito: primeiro, a Constituição de 37, que substituiu a Constituição de 34; depois, o Código de Processo Civil, de 1939; o Código Penal, de 1940; o Código de Processo Penal, de 1941; e a CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, de 1943.

Vamos começar pela Constituição de 37, a chamada “Polaka” (por ter sido influenciada pela Constituição nazista polonesa de 1935). Essa Constituição foi elaborada com o objetivo de concentrar poderes nas mãos do presidente, com o pretexto de reprimir a oposição comunista. A constituição de 1934 era federalista, garantindo a repartição das competências entre os estados federais e a União federal. A constituição de 1937 era centralizadora, autoritária, fechou as assembléias legislativas estaduais e anulou a autonomia dos estados, dando ao presidente autoridade para nomear interventores de sua confiança para os seus governos.

Aqui em Pará de Minas, em 1935, Benedito Valadares tinha sido escolhido pela Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais para ser governador, e isso aconteceu em todos os estados da União – não havia ainda eleição direta para governador nos estados: quem escolhia o governador era a Assembléia Legislativa do estado –, e quando Vargas deu o golpe em 37 e passou a nomear interventores para os estados, Benedito Valadares foi o único governador mantido no seu cargo, por ele ter apoiado e participado ativamente da Revolução de 30, da repressão à Revolução Constitucionalista de 32 e do golpe de 37.

O Estado Novo foi uma ditadura do chefe do Executivo, constitucional apenas nos aspectos da Constituição mais repressores e autoritários (naqueles menos repressores, ela não foi aplicada).

Logo instituiu-se o "estado de emergência", que aumentava ainda mais os poderes do Presidente, permitindo ao Estado invadir casas, prender pessoas consideradas contrárias ao regime e expulsá-las do país. Os crimes políticos passaram a ser punidos com pena de morte. As Forças Armadas, sob o controle do presidente, passaram a controlar a sociedade, com a ajuda da Polícia Secreta (chefiada por Filinto Müller), especializada em torturas e assassinatos. Além disso, instituiu-se a censura prévia – só seria liberado para a imprensa o que o governo autorizasse.

Dois grandes escritores brasileiros que sofreram nos porões da ditadura varguista foram Jorge Amado (que era comunista, autor de um romance nos anos 30 que foi considerado subversivo pelo governo: “Subterrâneos da Liberdade”) e Graciliano Ramos, autor do livro “Diários do Cárcere”, escrito durante o período em que esteve na prisão.

A Constituição de 1937 manteve os direitos sociais/trabalhistas; aliás, foram esses direitos, garantidos pela constituição, que mais contribuíram para a popularidade de Getúlio Vargas durante a Ditadura. E temos que reconhecer que ele soube usar muito bem essa imagem de “pai dos pobres”. Através do DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda, controlado pelo governo, Vargas conseguiu popularizar essa imagem, difundindo uma ideologia baseada na valorização do trabalho, do trabalhador, e na exaltação dos valores e símbolos nacionais.

Em 1939 foi promulgado o Código de Processo Civil, que regulamentava os trâmites processais e estabelecia as competências das autoridades judiciárias e tribunais em relação a questões de Direito Privado. Esse código veio complementar o Código Civil de 1916, regulamentando a atividade processual judiciária nessas questões.

Em 1940 foi promulgado o Código Penal, em substituição ao Código Penal de 1890, que havia sido feito às pressas logo após a proclamação da República. O Código Penal de 1940 era bem mais completo e refletia melhor a realidade brasileira, que, de 1890 a 1940, tinha mudado muito, exigindo uma legislação penal que melhor enquadrasse aquela sociedade.

Acompanhando o Código Penal, foi promulgado, em 1941, o Código do Processo Penal, que regulamentava os trâmites processuais e estabelecia as competências das autoridades judiciárias e tribunais em relação a questões criminais. Alguns aspectos do processo criminal que ganharam nova regulamentação: o inquérito policial, o exame de corpo de delito, perícias, interrogatórios, confissões, testemunhos, acareações, buscas e apreensões, citações, intimações, etc.

Também se destaca nesse período a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1º de maio de 1943. Em 1º de maio de 1939, o governo tinha criado a Justiça do Trabalho, e desde o início do governo provisório de Vargas, em 1930, várias leis trabalhistas já vinham sendo publicadas e aplicadas, mas foi só com a CLT, em 1943, que a justiça trabalhista ganhou maior estrutura e organização. 
 
O Estado Novo foi uma Ditadura inspirada nas ditaduras de Adolf Hitler e Benito Mussolini, na Alemanha e na Itália, respectivamente.

A semelhança entre o Estado Novo e as ditaduras alemã e italiana era muito grande: Governos fortes, personalistas – o que importa é a figura do líder –, autoritários, centralizadores; não podia haver oposição; e, além de tudo, eram governos radicalmente anti-comunistas e anti-democratas.

Não se esqueçam que democracia não combina com ditadura. Democracia pressupõe a existência de partidos, eleições livres, liberdade de imprensa, mandatos presidenciais temporários, o que não existia nas ditaduras de Hitler, Mussolini e Getúlio Vargas.

Pois bem, qual era a maior democracia do mundo nos anos 30? R: Os EUA, país que, na Segunda Guerra Mundial (que terminou em 1945), lutou contra as ditaduras de Hitler e Mussolini.

O Brasil acabou apoiando os americanos na guerra contra a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini. Essa posição só se definiu após o ataque dos japoneses (aliados dos dois ditadores europeus) à base naval norte-americana de Pearl Harbor, em dezembro de 1941, quando, depois de uma reunião ministerial promovida por Vargas, ficou resolvido, por unanimidade, que o Brasil deveria declarar solidariedade aos Estados Unidos.

Foram enviados para a Itália, com a Força Expedicionária Brasileira, vinte e cinco mil e trezentos homens, dentre eles Lutero Vargas (filho de Getúlio), dos quais quinze mil participaram da luta. Entre eles, quatrocentos e cinqüenta e um perderam a vida e cerca de dois mil foram feridos em combate.

A vitória da democracia sobre a ditadura, em nível internacional, criou uma situação paradoxal para o governo Vargas. Para começar, já era estranho uma ditadura muito parecida com as que eram atacadas lá fora lutando ao lado de uma democracia na guerra. Isso se chama pragmatismo: “Vou apoiar o mais forte, depois a gente vê o que faz”.

O que aconteceu foi que os EUA, juntamente com a França e a Inglaterra, duas outras democracias, derrotaram  Alemanha,  Itália e  Japão. As democracias venceram em nível internacional e, por isso, não tinha muito sentido a manutenção de uma ditadura inspirada, em grande parte, nos governos derrotados, aqui no Brasil.

Para piorar ainda mais a situação do governo, a guerra levou a um desaquecimento da economia brasileira. Países como EUA, França e Inglaterra, que eram grandes compradores de produtos primários e semi-industrializados do Brasil, praticamente pararam de comprá-los, porque precisavam concentrar sua energia econômica na guerra, na compra e fabricação de armas e também na organização e manutenção do exército. Isso levou a uma crise no Brasil, o que, aliado ao paradoxo ditadura-democracia, levou à crise do próprio governo Vargas.

Em 1943, políticos liberais brasileiros lançaram propostas de mudança em um manifesto que ficou conhecido como o Manifesto dos Mineiros. No ano seguinte, o general Góes Monteiro, que havia apoiado Vargas na Revolução de 30 e, depois, no golpe de 37, reuniu-se com militares americanos, e voltou defendendo a Democracia. Diante desses fatos, Vargas não viu outra alternativa senão permitir uma abertura democrática: acabou com a censura, anistiou os presos políticos e marcou uma data para as eleições.

Nesse contexto de abertura, Vargas permitiu a criação de partidos políticos. Foram mais de 30, mas os principais foram: PSD (Partido Social Democrata) e UDN (União Democrata Nacional), que eram dois partidos de elite, ligados tanto à elite do campo quanto à da cidade; o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que foi criado pelo próprio Vargas, e que contava com o apoio dos trabalhadores urbanos; e o PCB (Partido Comunista Brasileiro), que havia sido destituído pelo presidente em 1935, após a tentativa de golpe comunista, mas que voltou à ativa com essa abertura democrática.

Só que antes mesmo das eleições o presidente foi deposto pelo Exército brasileiro, que havia se aliado aos EUA. Vargas era nacionalista, queria um capitalismo independente, autônomo no Brasil, e os EUA não queriam isso de forma alguma. Eles queriam que o Brasil continuasse dependente do capitalismo americano, porque o Brasil tinha matéria-prima abundante para as suas indústrias, mão-de-obra barata para trabalhar nas multinacionais e um mercado consumidor em expansão para os produtos industriais americanos.

Portanto, não tinha sentido os EUA quererem a continuidade da política nacionalista de Vargas.

De 1946 até 1964, o Brasil passou por um período de redemocratização, com uma nova constituição, a de 1946, que garantia presidentes eleitos pelo povo, federalismo, voto secreto universal, etc.; a CLT foi mantida, mas houve um avanço: foi criada a licença maternidade, o fundo de garantia por tempo de serviço, além de outros ganhos para o trabalhador, como as férias prêmio.

O último presidente dessa fase foi João Goulart, deposto pelos militares em 1964.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Jô Soares entrevista José Murilo de Carvalho

21 - O Direito no Brasil Republicano - Parte II: a República e o Povo (1889-1930)

O livro “Os Bestializados”, de José Murilo de Carvalho, tem como recorte temporal o período 1889-1930, com um enfoque especial para a primeira década do século XX; e como recorte espacial, a cidade do Rio de Janeiro, sede da República.

Dentro desses recortes temporal e espacial, o autor analisa o relacionamento entre o cidadão brasileiro e o Estado republicano.

A Monarquia de d. Pedro II tinha ficado para trás, e percebemos que, quando há uma mudança política significativa no país, há um movimento no sentido de substituir suas estruturas jurídica e legislativa, a começar pela Constituição, que é a lei fundamental da Nação e que tem como objetivo regular as relações entre governantes e governados, estabelecendo para cada um direitos e deveres. É a Constituição também que determina a forma de governo e as relações entre os poderes.

Quando o Brasil deixou de ser Monarquia (centralizadora e autoritária) e passou a ser República (federalista e democrática, pelo menos no papel), em 1889, a Constituição monárquica, a de 1824, perdeu o sentido, e foi preciso elaborar uma Constituição republicana, que foi a de 1891. Elaborou-se também um novo Código Criminal, o de 1890, para substituir o Código Criminal de 1830; e, finalmente, em 1916, foi promulgado o Código Civil, que só na República veio substituir o direito privado das Ordenações Filipinas, de 1603.

É importante lembrar que quando relacionamos mudança política com mudança nas estruturas jurídica e legislativa, não queremos dizer que durante o período monárquico não tenha havido mudanças nessas estruturas: elas ocorreram, através de reformas, não só da Constituição de 1824, que foi reformada pelo Ato Adicional de 1834, mas também do Código do Processo Criminal, que foi reformado em 1841, concentrando mais poderes nas mãos do imperador (que passou também a escolher os juizes municipais, os chefes de polícia e os promotores públicos das províncias), e das leis eleitorais (sendo a mais importante, a reforma eleitoral de 1881, que ampliou o direito de voto, mas por pouco tempo).

Mas voltemos à República:

O artigo primeiro da Constituição de 1891 diz o seguinte:

“A Nação Brasileira adota como forma de governo, sob o regime representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por uma união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil”.

O artigo segundo:

“Cada uma das antigas províncias formará um Estado e o antigo município neutro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a capital da União, enquanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte”:

“Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 Km², que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal.”

Parece claro que os republicanos não viam o Rio de Janeiro como a capital ideal para a República, talvez porque ela lembrasse muito o passado colonial e monárquico (o absolutismo, o despotismo, o poder da Igreja), com suas ruas estreitas, seus templos, monumentos e construções que lembravam muito o passado, e a República representava o novo, o futuro, a mudança, o moderno (a liberdade, a democracia).

O mesmo podemos dizer de Ouro Preto enquanto capital do estado republicano de Minas Gerais. Ouro Preto lembrava muito o passado e, por isso, foi construída uma nova capital, Belo Horizonte, moderna, planejada, republicana.

Se Belo Horizonte, antes mesmo de terminar o século XIX, tornou-se a nova capital de Minas Gerais (um estado que pertencia a uma União Federal republicana), o mesmo não aconteceu com a capital da União, que continuou sendo o Rio de Janeiro até que o presidente Juscelino Kubitcheck inaugurasse a nova capital do Brasil, Brasília, no início dos anos 60.

Porém, a cidade do Rio de Janeiro, no início do século XX, passou por reformas urbanas bem ao estilo republicano: inúmeras praças foram inauguradas, novas avenidas criadas, outras largueadas, enfim, a capital foi modernizada para acolher melhor o novo regime.

Mas, e nos quesitos Liberdade, Participação Popular, Direitos Políticos, fortemente presentes no ideário republicano? Como isso se deu na prática, na cidade do Rio de Janeiro, durante a República Velha? Finalmente houve a irrupção do povo na política? Essa é a pergunta que se coloca o José Murilo de Carvalho no início do seu livro “Os Bestializados”.

O título do livro foi tirado de uma frase do republicano Aristides Lobo, que disse que o povo assistira à proclamação da República bestializado, atônito, sem compreender o que se passava, julgando assistir talvez a uma parada militar.

Mas que povo era esse? No primeiro capítulo do livro, José Murilo de Carvalho apresenta-nos o povo do Rio de Janeiro, que assistiu à proclamação da República “bestializado”, sem empunhar o estandarte da liberdade e proclamar em brado retumbante a soberania popular.

Como vivia esse povo?

No primeiro capítulo do livro, o autor faz um estudo da população da cidade do Rio de Janeiro durante a República Velha, enfocando mais a primeira década do século XX. A conclusão a que ele chega é a de que, no geral, o povo carioca era pobre. O emprego era escasso e a população muito numerosa, devido ao grande afluxo de imigrantes, principalmente portugueses, e à presença de ex-escravos que, após a abolição foram libertados da prisão da escravidão para caírem em um outro tipo de prisão: a da pobreza, da miséria, do desemprego.

A pobreza alimentava a criminalidade, a bebida e o jogo. A falta de higiene, a insalubridade, a deficiência alimentar abriam as portas para as epidemias, principalmente de febre amarela, peste bubônica e varíola. O autor conta que o governo inglês concedia a seus diplomatas que vinham para o Brasil um adicional de insalubridade pelo risco de contraírem alguma doença na capital da República. A elite administrativa do Império e da República tentava fugir das epidemias indo para Petrópolis, onde o ar era menos pestilento.

Além de pobre, a população do Rio de Janeiro era instável, revoltosa e, no geral, não apoiava o governo republicano. No entanto, a revolta da população era essencialmente reativa. A população se revoltava porque se via atingida por alguma medida governamental específica e não para mudar o quadro republicano geral de forma que se abrissem espaços de participação política, organizada, democrática, para essa população poder expressar suas opiniões quanto ao governo da coisa pública.

O motim reativo não era o tipo de revolta que os republicanos mais idealistas esperavam de um povo numa República.

A dúvida que fica é a seguinte: será que o governo republicano dificultou a participação popular, através da política dos governadores (ou política do café com leite, como ficou mais conhecida, e pelo coronelismo, o voto de cabresto, etc.) porque ele percebeu que daquele povo não se podia esperar grande coisa em termos de participação política republicana, ou porque, desde o início, a elite temia perder o poder?

No primeiro capítulo do livro, então, o autor apresenta o povo do Rio de Janeiro para o leitor, e afirma que esse povo, além de pobre, era indisciplinado, dividido por conflitos internos, solidário apenas quando se sentia agredido no seu espaço doméstico, revoltando-se não porque a República não lhe permitia participar ativamente das tomadas de decisões, mas porque o Estado, vez ou outra, invadia as suas comunidades, interferindo no seu cotidiano.

Quando os observadores estrangeiros afirmavam que o Brasil não tinha povo político, o que eles estavam buscando era o cidadão estilo europeu, mais especificamente o cidadão francês. Só que José Murilo de Carvalho discorda da afirmação de que o povo brasileiro era apático. Ele diz que a acusação de apatia era claramente exagerada, porque o povo reagia com vigor quando se sentia atingido pelo governo. O exemplo que ele cita é o da Revolta da Vacina, ocorrida no Rio de Janeiro em 1904.

A Revolta da Vacina ocorreu em decorrência da política de saneamento básico e de combate às epidemias de febre amarela, peste bubônica e varíola do governo Rodrigues Alves. Assim que tomou posse, em 1902, Rodrigues Alves deu início às obras de saneamento e de reforma urbana da cidade. Para isso, ele deu poderes quase ditatoriais para o engenheiro Pereira Passos, que foi nomeado prefeito pelo presidente – não havia ainda eleições municipais –, e para o médico Oswaldo Cruz, que foi nomeado diretor do Serviço de Saúde Pública.

O trabalho de Oswaldo Cruz, primeiramente, consistiu em atacar a febre amarela, extinguindo os mosquitos e isolando os doentes nos hospitais, e a peste bubônica, exterminando ratos e pulgas, limpando e desinfectando ruas e casas. Cerca de 2.500 funcionários mata-mosquitos espalharam-se pela cidade, e para prevenir resistências dos moradores, eles eram acompanhados por soldados de polícia.

Muitas casas foram desapropriadas para demolição, donos de casas e cortiços considerados anti-higiênicos foram intimados a reformá-los ou demoli-los. Além disso, o engenheiro Pereira Passos baixou várias posturas que interferiam no cotidiano dos cariocas: proibiu cães vadios e vacas leiteiras nas ruas; mandou recolher a asilos os mendigos; proibiu a cultura de hortas e capinzais, a criação de suínos; mandou também que não se cuspisse nas ruas e dentro dos veículos, que não se urinasse fora dos mictórios, etc.

Foi nesse ambiente que teve início a luta pela implantação da vacina obrigatória contra a varíola. Os inimigos do governo diziam que a vacina era perigosa para a saúde, que podia causar convulsões, diarréias, gangrenas, otites, difteria, sífilis, epilepsia, meningite, tuberculose. Outros diziam que a vacina iria ferir a honra das famílias. Um representante das classes operárias, por exemplo, disse o seguinte, num discurso: “O trabalhador, ao voltar do trabalho, fica sem poder afirmar que a honra de sua família esteja ilesa, por haver aí penetrado desconhecido amparado pela proclamação da lei da violação do lar e da brutalização aos corpos de suas filhas e de sua esposa”.

A reação popular à lei da vacina obrigatória foi violenta. A cidade do Rio de Janeiro virou palco de uma verdadeira guerra: bondes foram queimados e virados, lampiões destruídos, tiroteios, barricadas, e no final o governo teve que interromper a vacinação. O povo venceu, mas essa vitória não foi suficiente, na perspectiva de José Murilo de Carvalho, para criar o cidadão republicano. O que o povo queria era simplesmente a interrupção da vacinação e não mudanças políticas mais profundas.

Para visualizar os slides da aula, CLIQUE AQUI

quinta-feira, 31 de maio de 2012

20 - O Direito no Brasil Republicano - Parte I: República Velha (1889-1930)

Para esta unidade, indico a leitura do capítulo 2 do livro "Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi", de José Murilo de Carvalho: "República e Cidadanias". Deixei uma cópia matriz para vocês no xerox do curso de Direito, no 1º andar (final do corredor), mas o livro está disponível na Biblioteca da FAPAM.

CLIQUE AQUI para assistir a uma aula de 28 minutos sobre a República Velha ministrada pelo historiador Boris Fausto.

Como atividade de estudo complementar, recomendo a vocês uma leitura comparativa das constituições de 1824 e 1891:

Constituição de 1824
Constituição de 1891

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Dica de filme: "Robin Hood"


Com um pouco de atraso, recomendo a vocês o filme “Robin Hood” (2010), de Ridley Scott. A história se passa na Inglaterra, no século XII, e contextualiza muito bem o processo de formação do estado monárquico inglês – os conflitos entre o rei e os "lordes" (senhores feudais), a criação da estrutura administrativa do estado, a questão dos impostos, etc. O filme mostra como começou a lenda de Robin Hood. Vale a pena conferir.

Para assistir ao trailer do filme, CLIQUE AQUI

quarta-feira, 23 de maio de 2012

19 - O Direito no Brasil Imperial (1822-1889): A Construção da Ordem

Para esta unidade, indico a leitura do texto "Instituições, retórica e bacharelismo no Brasil", de José Wanderley Kozima, que faz parte do livro "Fundamentos de História do Direito", organizado por Antonio Carlos Wolkmer (disponível na Biblioteca da FAPAM). Na edição que eu tenho em mãos, é o capítulo 13.

Para visualizar a estrutura do Estado Monárquico Brasileiro (1822-1889), CLIQUE AQUI

Para consultar o texto da Constituição de 1824, CLIQUE AQUI

Um exercício interessante, que eu recomendo a vocês, é comparar a Constituição Brasileira de 1824 com a Constituição Francesa de 1791. Para consultar o texto da Constituição Francesa de 1791, CLIQUE AQUI

terça-feira, 22 de maio de 2012

18 - Patrimonialismo versus Republicanismo

Para esta unidade, indico a leitura do capítulo 5 do livro "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936: "O Homem Cordial". É um texto pequeno, mas difícil. Vai exigir de vocês uma leitura atenta e, na minha opinião, talvez, uma ou duas releituras. Vocês encontrarão o livro na biblioteca da FAPAM. Organizem-se para tirar as cópias. São só 11 páginas. (Não teremos notas de aula postadas neste blog).

Para quem quiser se aprofundar um pouco mais na visão do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda (para poder, inclusive, questioná-la), o ideal é ler o livro todo, mas tem também um texto muito interessante do historiador e filósofo José Carlos Reis, da UFMG, no seu livro "As Identidades do Brasil", que eu recomendo a vocês (não como matéria de prova, mas como leitura complementar). Trata-se do capítulo 4: "Anos 1930: Sérgio Buarque de Holanda - A superação das raízes ibéricas" (da página 115 à 143). Esse livro encontra-se também disponível na biblioteca da FAPAM.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Dica de filme: "Volver"

"Volver", de Pedro Almodóvar, é um filme divertido e envolvente. Além disso, a história que ele conta permite a vocês, alunos de Direito, refletirem sobre um tema muito importante no curso: o Direito Natural. Para entender por quê, leiam a texto que eu disponibilizo no link a seguir. São só duas páginas:

Novamente a lei de Antígona: "Volver", de Almodóvar

Trailer (legendado em inglês)

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Proposta de discussão: Patrimonialismo versus República

Reproduzo a seguir um trecho do texto que eu publiquei na postagem 17, sobre a Revolução Francesa:

As contas do rei se confundiam com as contas do Governo e constantes déficits eram provocados por gastos excessivos do Estado. Isso se chama Patrimonialismo (quando o Estado e as riquezas do Estado se confundem com o patrimônio do governante e da elite que governa junto com ele). Patrimonialismo é o contrário de res publica (quando o Estado e as riquezas do Estado pertencem à esfera pública, ao povo).

Reflitam sobre os dois conceitos apresentados (Patrimonialismo e República) e tragam na próxima aula (18 e 21 de maio) exemplos que ilustram um e outro no Brasil atual, para que possamos analisá-los. Não se restrinjam a questões relacionadas a políticos e outras autoridades do Estado. Pensem também no cotidiano do brasileiro, nas suas relações sociais, etc.

Dica de filme: "Danton - O processo da Revolução"

Considerado um dos melhores filmes sobre a Revolução Francesa já produzidos, "Danton" (1982), de Andrzej Wajda, é inteligente, emocionante e cheio de interpretações brilhantes. Vale a pena conferir!

Para assistir a uma cena do filme "Danton", de Andrzej Wajda, mostrando uma discussão entre Georges Danton e Robespierre, CLIQUE AQUI

Para assistir a um trecho do documentário "Revolução Francesa", do History Channel, sobre o fim do governo de Maximillien de Robespierre, CLIQUE AQUI

sexta-feira, 11 de maio de 2012

17 - Revolução Francesa - O processo revolucionário (1789-1799)

No século XVIII, às vésperas da Revolução Francesa de 1789, a sociedade francesa estava dividida em três estados: o clero, a nobreza (descendentes dos antigos senhores feudais, convertidos em funcionários do Estado Absolutista ou em meros dependentes dos favores do rei) e o resto (terceiro estado).

Os dois primeiros estados mantinham vários privilégios do sistema feudal, como o direito de cobrar impostos. (Os nobres que mantinham suas propriedades no campo cobravam impostos feudais dos camponeses que trabalhavam em suas terras. A maioria dos camponeses vivia nessas condições – ou seja, trabalhando como servos nas propriedades dos nobres –, e ainda tinha que pagar tributos ao Estado monárquico. Já o clero cobrava as dízimas, além de impostos feudais dos camponeses que trabalhavam nas terras da Igreja. Cobrava também taxas de batismo, casamento, sepultura... Além disso, como a nobreza, o clero era isento do pagamento de tributos ao Estado).

Além dos camponeses, faziam parte do terceiro estado os burgueses e os pobres urbanos (sans culottes).

As contas do rei se confundiam com as contas do Governo e constantes déficits eram provocados por gastos excessivos do Estado. Isso se chama Patrimonialismo (quando o Estado e as riquezas do Estado se confundem com o patrimônio do governante e da elite que governa junto com ele). Patrimonialismo é o contrário de res publica (quando o Estado e as riquezas do Estado pertencem à esfera pública, ao povo).

Enorme era o descontentamento do terceiro estado. Desse grupo, os elementos mais influentes vinham da burguesia (comerciantes, banqueiros, industriais, livreiros, impressores, boticários, etc.) e dos profissionais liberais (juristas, literatos, médicos e professores). Eles queriam exercer maior controle sobre o Governo, dominado pelo rei e seus aliados (1º e 2º estados).

Em 1781, o ministro de finanças de Luís XVI, Jacques Necker, publicou a relação das contas do Governo. A população ficou escandalizada com as despesas da Corte, que consumiam praticamente todos os recursos do país. O ministro foi demitido pelo rei.

1785: falência financeira do Estado.

1788: rigoroso inverno, escassez de alimentos, alta dos preços, fome...

A crise se agravava. O rei pediu a colaboração da nobreza e do clero para resolver os problemas financeiros do Estado, o que significava pagamento de impostos. A nobreza exigiu do rei a convocação dos Estados Gerais, ou seja, a reunião de representantes dos três estados, para decidir sobre a questão. (Essa reunião não acontecia na França desde 1614).

Como o voto nos Estados Gerais era por estado (cada estado tinha direito a um voto), a nobreza estava tranquila, pois certamente, como interessado na questão, o clero votaria a favor do não pagamento de impostos. (Os representantes de cada estado nos Estados Gerais eram escolhidos em eleições municipais e provinciais, e só votavam e eram votadas pessoas de posse, que comprovassem determinada renda).

Os Estados Gerais se reuniram no Palácio de Versalhes em maio de 1789. O terceiro estado era representado em sua maioria por burgueses.

Começa a discussão sobre a votação: por estado? O terceiro estado exigia que ele tivesse um número de representantes proporcional à população que ele representava (a maioria do povo francês) e que o voto fosse por cabeça e não por estado. As discussões se arrastaram, e o rei, que presidia a assembléia, não quis ceder, defendendo os interesses da nobreza e do clero, seus aliados tradicionais. (O rei acabou permitindo o aumento do número de representantes do terceiro estado, mas não o voto por cabeça).

O terceiro estado, então, se revoltou e se proclamou Assembléia Nacional (já que ele representava mais de 90% da população da França), com o objetivo de elaborar uma constituição para o Estado que limitasse o poder do rei, da nobreza e do clero. Os outros dois estados reagiram contrariamente no início, mas depois decidiram fazer parte da Assembléia Nacional, defendendo seus interesses e privilégios. (É importante ressaltar que muitos elementos oriundos da pequena nobreza e do baixo clero aderiram à causa do terceiro estado).

A Assembléia Nacional Constituinte se fortalece. Começa a Revolução.

Enquanto isso, os pobres do campo e das cidades se revoltavam, conscientes do que acontecia em Versalhes, pressionando por mudanças radicais que melhorassem suas vidas miseráveis. Em 14 de julho de 1789, o povo tomou a Bastilha, uma fortaleza utilizada como depósito e presídio, em busca de armas e munição.

Rapidamente a Assembléia Nacional Constituinte formou um conselho de cidadãos para administrar Paris e organizou a Guarda Nacional. O rei retirou suas tropas da cidade. Muitos nobres e membros do clero começaram a deixar a França.

Em 4 de agosto de 1789, a Assembléia Nacional Constituinte decidiu abolir os resquícios do feudalismo, privando a nobreza e o clero de seus antigos privilégios, como o não pagamento de impostos ao Estado. Foi proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com o objetivo de acabar com as desigualdades entre os homens perante a lei.

Em 1790 os bens da Igreja foram confiscados e os membros do clero passaram a ser funcionários do Estado.

Em 1791, Luís XVI tentou fugir da França para a Áustria, de onde pretendia combater, com os nobres franceses exilados, o regime recém-criado. No entanto, foi reconhecido por guardas no caminho e levado de volta a Paris, onde foi acusado de traição.

Em 1791 passou a vigorar a nova Constituição, que transformava o Estado francês em uma monarquia constitucional e o reorganizava de acordo com a teoria da tríplice divisão de poderes (executivo, legislativo e judiciário). O rei continuava no poder executivo, mas os deputados (poder legislativo) seriam eleitos pelo povo, e os juízes (poder judiciário) também. De acordo com a Constituição de 1791, eram eleitores apenas os proprietários de um bem cujo valor equivalesse a 150, 200 ou 400 jornadas de trabalho, o que privava a maioria da população do direito de voto, constituída de não proprietários.

Terminam os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e ela se dissolve em setembro de 1791. Os novos deputados seriam eleitos pelo voto censitário (baseado na renda) e constituiriam a Assembléia Legislativa.

Na Assembléia Legislativa, à direita, sentavam-se os girondinos, políticos moderados, representantes dos interesses da média burguesia, que defendiam o respeito à Constituição de 1791 (ao voto censitário, sobretudo); à esquerda ficavam os radicais, que lutavam pela implantação de uma República Democrática popular: os jacobinos. E ao centro ficavam os representantes da alta burguesia.

O rei e a rainha conspiravam contra a revolução. A ameaça externa era real (vinda, sobretudo, da Áustria, monarquia absolutista, terra natal da rainha Maria Antonieta).

Em abril de 1792, a Assembléia Legislativa (que era o governo de fato, estando o rei preso) declarou guerra à Áustria e à Prússia. Foi convocada eleição para uma nova Assembléia, a Convenção, para rever a Constituição de 1791. Dessa vez a eleição foi por sufrágio universal masculino, sem exigência de renda.

A Convenção tomou posse e seu primeiro ato foi proclamar a República – o governo da “coisa pública” pelo povo (baseado no voto universal masculino), em 1792. Cai a monarquia.

A principal divisão interna na Convenção ainda era entre girondinos e jacobinos, mas ali os jacobinos eram mais fortes. Havia ainda os montanheses, mais radicais ainda que os próprios jacobinos (Danton e Marat faziam parte desse grupo). Os jacobinos pregavam a radicalização e queriam aprofundar as mudanças revolucionárias. Seu líder era Robespierre.

Luís XVI foi condenado à morte e guilhotinado em janeiro de 1793.

O perigo interno (conspiração dos nobres) e o externo (guerra contra a Áustria e a Prússia) fizeram com que a Convenção se radicalizasse. Foi aprovada a Lei dos Suspeitos: qualquer pessoa denunciada como contra-revolucionária podia ser condenada à morte sumariamente. (Cerca de 40.000 pessoas foram condenadas à morte durante a Revolução).

Em julho de 1794, Robespierre foi preso e condenado à guilhotina. Foi o golpe dos girondinos, que assumiram o poder, retomando o caráter mais moderado da Revolução.

O Diretório (1795-1799), assembléia comandada pelos girondinos, eliminou muitas medidas aprovadas no tempo da Convenção jacobina, como, por exemplo, o sufrágio universal masculino. A República perde o seu caráter radical e popular, defendendo, com mais vigor, os interesses da média e da alta burguesia.

Para visualizar os slides da aula, CLIQUE AQUI

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Dica de livro: "Subsistência e Poder"

Isto não é matéria de prova, mas para quem se interessar pela história do direito no Brasil Colonial (1500-1822), sobretudo na Capitania de Minas Gerais, no século XVIII (1701-1800), eu indico o meu livro "Subsistência e Poder", publicado em 2008 pela editora UFMG (resultado da minha tese de doutorado defendida em 2002). Ele está disponível para empréstimo na Biblioteca da FAPAM e na Biblioteca Pública Municipal de Pará de Minas.

Para ler uma resenha do livro, publicada na Revista Brasileira de História, CLIQUE AQUI

16 - O Direito no Brasil Colonial - Parte III: O Rei Absoluto: Governante, Juiz e Legislador



No sistema absolutista europeu dos séculos XVI, XVII e XVIII, acima de tudo estava o rei. Ele era a autoridade máxima. Acima de seus funcionários em questões administrativas, judiciárias e legislativas, estava ele, o grande governante, o grande juiz, o grande legislador. Lembre-se que o rei era absoluto. Nas suas mãos concentravam-se os três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Mas como o rei sozinho não conseguia resolver tudo diretamente, ele precisava de funcionários (que eram indicados por ele ou por pessoas de sua confiança).

No Brasil colonial (parte que era da Monarquia Absolutista Portuguesa) também foi assim. No início da nossa história administrativa (1530-1548), o capitão donatário tinha um poder muito grande sobre a sua capitania, mas acima dele havia dois documentos reais que, de certa forma, limitavam esse poder – a carta de doação e a carta de foral, que visavam, de forma geral, ao controle da sociedade que se desenvolvia na capitania.

Quando foi estabelecido o sistema das capitanias hereditárias, a legislação que vigorava em Portugal vinha das Ordenações Manuelinas (1521), que também passaram a vigorar no Brasil. Mas como não havia fiscalização direta da parte do rei, a lei que vigorava de fato era a lei do capitão donatário, muitas vezes contrária às cartas de doação e foral e às Ordenações.

Com o Governo Geral, a partir de 1548, a coisa começou a mudar. As decisões administrativas, legislativas e judiciárias foram aos poucos sendo centralizadas na sede desse governo, estabelecida em Salvador. Para governar o Brasil, administrar suas finanças, defendê-lo e aplicar a justiça do rei, o monarca indicou um governador geral, um provedor-mor (para questões de finanças), um capitão-mor (para questões militares, de defesa) e um ouvidor-mor (para julgar e aplicar a justiça), todos eles funcionários do estado.

O ouvidor-geral ou ouvidor-mor era a maior autoridade judiciária do Brasil (até a criação do primeiro Tribunal da Relação, em Salvador). Com o tempo, o rei indicou governadores, provedores, capitães e ouvidores para administrar as capitanias do Brasil (não mais hereditárias), só que estes, teoricamente, deviam obediência às autoridades gerais estabelecidas na sede do Governo Geral, Salvador.

Como muitos crimes e litígios mais graves tinham que ser transferidos para serem julgados em Salvador, em 1587 foi criado ali um “Tribunal da Relação”, um órgão coletivo, onde trabalhariam vários desembargadores. Desembargar é desembaraçar, desimpedir, despachar, dar uma sentença, resolver, e quem tinha poder para isso era o juiz desembargador. A antiga ouvidoria não era um órgão coletivo, pois ali só atuava o ouvidor. Com o tribunal, a justiça seria aplicada de forma mais rápida, com vários desembargadores atuando juntos. Só que o Tribunal da Relação de Salvador não foi implantado em 1587, por problemas administrativos, sendo efetivamente instalado só em 1609, quando já vigoravam as Ordenações filipinas.

O Tribunal da Relação era uma instância intermediária. Os casos que as ouvidorias das capitanias não podiam resolver, principalmente situações jurídicas ou crimes considerados graves, eram enviados para o Tribunal da Relação de Salvador. Se ali os desembargadores também não pudessem resolvê-los, eles os enviavam para o tribunal de última instância, localizado na sede da monarquia portuguesa, Lisboa. O principal tribunal de última instância era a Casa da Suplicação. Seus desembargadores estavam em contato direto com o rei, sempre. Na verdade, era o rei que presidia esse tribunal. 

Em 1751 foi criado um outro Tribunal da Relação no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Nessa época, já se extraía muito ouro na Capitania de Minas Gerais (a dinâmica econômica colonial se concentrava na região sudeste), o que transformou o Rio de Janeiro no principal porto de entrada de mercadorias importadas e de saída das frotas carregadas do ouro proveniente de Minas Gerais.

A região das Minas se desenvolveu muito. Vila Rica – hoje Ouro Preto – tornou-se um importante pólo econômico no interior do Brasil, surgindo ali uma civilização urbana extremamente complexa e conflituosa. Por isso foi criado o outro Tribunal da Relação, na cidade do Rio de Janeiro, para atender com mais prontidão à sociedade do Rio e, principalmente, às vilas do ouro da Capitania de Minas Gerais, onde a ouvidoria não dava conta de tantos processos.

Além das ouvidorias nas capitanias, dos tribunais em Salvador e no Rio e da Casa da Suplicação, havia também a justiça local, nas vilas. O arraial ganhava estatuto de vila quando o rei decidia implantar ali uma câmara. A câmara, no período colonial, era um órgão administrativo, legislativo e judiciário. Quem a presidia eram dois juizes, os juizes ordinários, eleitos pelos nobres da vila para um mandato de 1 ano. Eles eram os agentes executivos municipais e, ao mesmo tempo, autoridades judiciárias da localidade, autorizadas a julgar casos que não fossem da alçada do ouvidor da capitania. Os dois juizes se revezavam mensalmente no cargo, para poderem cuidar de seus negócios pessoais, pois não recebiam vencimento.

A câmara era formada pelos dois juizes ordinários e por vereadores, cujo número variava de 5 a 10. Os vereadores legislavam em nível local (produziam editais com normas para o controle da sociedade da vila), levavam casos menores para serem julgados pelos juizes ordinários e decidiam sobre medidas administrativas a serem executadas pelos juizes ordinários (verdadeiros prefeitos). Por exemplo, os vereadores legislavam sobre a pavimentação das ruas, sobre a organização do comércio local, sobre os horários de funcionamento das vendas – que eram verdadeiros antros de prostituição e bebedeira –, sobre a qualidade e o preço dos alimentos consumidos pela população, sobre impostos, etc. Os vereadores também não recebiam nada pelo seu serviço. O cargo era disputado pelo fato de ser símbolo de status, assim como o cargo de juiz ordinário.

Auxiliando os juizes ordinários e os vereadores, havia o juiz de vintena, o juiz de órfãos, o juiz de fora e o juiz almotacé.

O juiz de vintena era uma autoridade judiciária menor, escolhida pela câmara para presidir inquéritos de menor importância em áreas determinadas pelos juizes ordinários, geralmente povoados e pequenos arraiais mais afastados da vila.

O juiz de órfãos era também uma autoridade judiciária menor, só que escolhida não pela câmara, mas pelo rei, para cuidar dos órfãos e de sua herança.

O juiz de fora era uma autoridade judiciária itinerante, também escolhida pelo rei, para ajudar o juiz ordinário – na verdade, o que ele fazia era fiscalizar o trabalho da justiça local, sendo pessoa de fora e não enredada nas tramas de interesses locais.

O juiz almotacé era escolhido pela câmara e atuava na investigação e julgamento de crimes relacionados ao pequeno comércio. Por exemplo, era proibido vender cachaça nos morros onde havia escravos minerando em Minas Gerais, porque os escravos, além de utilizarem o ouro (que não lhes pertencia) na compra da bebida – a fiscalização era precária –, eles se embebedavam, “perdiam o juízo” – como diz um documento da época – e caíam nos buracos das minas, muitos morrendo, outros ficando aleijados, o que significava prejuízo para o seu senhor e para a atividade de extração aurífera. Quem julgava e atribuía penas para os casos de comércio ilegal era o juiz almotacé, que também fiscalizava os pesos e medidas, a qualidade e os preços dos alimentos consumidos pela população local, etc.

Acima de toda essa estrutura local havia a ouvidoria da capitania. Acima dessa ouvidoria havia, até 1609, a ouvidoria geral em Salvador e, depois, Tribunal da Relação de Salvador. Em 1751, como vimos, foi criado também um Tribunal da Relação no Rio de Janeiro. Acima dos Tribunais da Relação havia a Casa da Suplicação de Lisboa, ligada diretamente ao rei, transferida para o Brasil em 1808.

Só que acima de tudo isso havia o rei, autoridade máxima, legislador, executor e juiz absoluto. Ele controlava tudo – ou pelo menos tentava – através de dois documentos de grande poder: os alvarás, que continham disposições cujo efeito, em regra, não deveria durar mais de um ano; e as cartas-régias, que eram documentos com força de lei contendo medidas de caráter geral e quase sempre permanentes.

Para visualizar o esquema do Rei Absoluto, explicado em sala de aula, CLIQUE AQUI

sábado, 21 de abril de 2012

15 - O Direito no Brasil Colonial - Parte II: As Ordenações Portuguesas


O direito escrito português (do estado português) surgiu com as primeiras Leis Gerais publicadas no ano de 1210, que tiveram como objetivo principal a centralização do poder nas mãos do rei. Por serem "gerais", elas valiam para todo o território do reino de Portugal.
 
Com o tempo foram surgindo novas leis visando ao controle de uma realidade social cada vez mais complexa. A economia portuguesa, desde o início, esteve ligada ao comércio marítimo, e a riqueza produzida por esse comércio acabou contribuindo para o aumento populacional e, consequentemente, para uma maior complexidade da sociedade. (Lisboa se tornou, no final dos anos 1300, o porto mais movimentado da Europa e uma das cidades mais populosas do continente europeu).

Essa sociedade mais complexa exigia um número maior de novas leis, que tratassem de outros temas, de outras situações que antes não tinham sido previstas.

Em 1385, o rei Dom João I iniciou um trabalho de codificação das leis gerais, reunindo-as em um corpo legislativo único, formado por cinco livros. Esse trabalho só foi concluído em 1446, no reinado de Afonso V.

Portanto, a primeira grande codificação do direito português foram as chamadas Ordenações Afonsinas, resultado do trabalho iniciado em 1385 pelo rei Dom João I e concluído apenas no reinado do rei Afonso V (por isso Ordenações Afonsinas, em referência ao rei Afonso V).

As Ordenações Afonsinas constituíram o primeiro código legislativo do reino de Portugal. Era dividido em 5 livros, que tratavam da proteção dos bens da Coroa, da garantia às liberdades individuais, da proibição de abusos por parte de funcionários reais, entre outros temas.

É importante ressaltar que o direito romano foi a base das leis gerais e ordenações portuguesas, desde a Idade Média até os tempos modernos, e que muitas leis portuguesas foram simplesmente cópias adaptadas do direito romano.

Não podemos nos esquecer também da forte influência exercida em Portugal pelo direito canônico, que, muitas vezes, serviu de orientação aos juízes civis e ao próprio rei. (Lembre-se que não havia ainda uma distinção clara entre Religião/Igreja e Estado). 


As Ordenações Afonsinas vigoraram de 1446 até 1521, quando foram publicadas as Ordenações Manuelinas, no reinado de Dom Manuel I. De 1446 até 1521, prevaleceram as Ordenações Afonsinas, só que, nesse período, foi preciso publicar novas leis visando ao controle de uma sociedade que, a cada dia, tornava-se mais complexa. Essas leis publicadas fora do Código (ou complementando o Código) eram chamadas de Leis Extravagantes. (Extravagante é uma coisa fora do comum, singular. No caso da lei, uma lei fora do comum, fora do usual, que surge visando a solucionar um problema novo).

As Ordenações Manuelinas, de 1521, foram o resultado da reunião das Ordenações Afonsinas com as leis extravagantes publicadas de 1446 a 1521, é claro que com a  revogação de leis, adaptações, etc. (Nesse período de 1446 a 1521 foram publicadas leis extravagantes que tratavam do funcionamento e da estrutura dos tribunais seculares, criados pelo rei, e da atuação dos funcionários responsáveis pela aplicação das leis e pela administração da justiça. Essas e outras leis extravagantes passaram a fazer parte das Ordenações Manuelinas). 

De 1521 a 1603 aconteceu a mesma coisa. Novas leis extravagantes foram publicadas fora das Ordenações e que depois foram reunidas nas chamadas Ordenações Filipinas, publicadas em 1603, durante o governo do rei Felipe.

As Ordenações filipinas foram o código legislativo português que vigorou no Brasil por mais tempo. Na verdade, as Ordenações filipinas eram as Ordenações Manuelinas (com alterações/atualizações) mais as leis extravagantes publicadas de 1521 até 1603. É um código extremamente complexo, porque a sociedade portuguesa assim exigia.

Em 1521, na época das Ordenações Manuelinas, Portugal não tinha ainda tomado posse do Brasil (foi o período da extração do pau-brasil). Em 1603, o Brasil já estava sendo colonizado e explorado pelos portugueses. Graças ao açúcar brasileiro, a economia portuguesa se desenvolveu muito: a população aumentou e as cidades cresceram, exigindo um código legislativo maior e mais sofisticado.

As Ordenações filipinas, bem como os outros códigos anteriores, compõem-se de cinco livros. O primeiro trata do direito administrativo e da organização judiciária, versando sobre as atribuições, direitos e deveres dos magistrados, oficiais de justiça e funcionários em geral. O segundo trata do direito do clero, do rei, da nobreza e dos estrangeiros, definindo os privilégios, direitos e deveres de cada um e regulamentando as relações entre o Estado e a Igreja. O terceiro trata do processo civil, ou seja, dos procedimentos judiciais relativos a situações de natureza privada (relações privadas), como casamento, patrimônio, sucessão, doações, contratos, etc. O quarto trata do direito civil e do direito comercial, apresentando as leis que compõem esses direitos. O último livro é dedicado ao direito penal.

No link a seguir você terá acesso a um texto que, apesar de alguns pequenos erros de digitação, é muito bom para se entender esse capítulo da história do direito português:


História do Direito Português no período das Ordenações Reais 


Se preferir baixar o arquivo em pdf, CLIQUE AQUI

quarta-feira, 18 de abril de 2012

14 - O Direito no Brasil Colonial - Parte I: O Brasil português (1500-1822)

Quando ocorreu a centralização do poder nas mãos dos reis, na Europa, os impostos de cada antigo feudo passaram a se concentrar na Fazenda Real ou Erário Régio, uma instituição estatal. Com esses recursos, os reis começaram a financiar a atividade comercial da burguesia no continente europeu e, depois, no ultramar.

As grandes expedições ultramarinas, como as de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, só foram possíveis porque as monarquias espanhola e portuguesa investiram dinheiro no treinamento de marinheiros, na construção de caravelas e naus bem equipadas, no desenvolvimento de instrumentos técnicos para a navegação, etc. Foi uma empresa caríssima, que só foi possível graças à montagem de uma estrutura centralizada de arrecadação de impostos em ambos os estados.

Quando Pedro Álvares Cabral partiu de Lisboa em 1500, o seu objetivo era atingir as Índias, região do Oriente onde eram produzidas as “especiarias” (gengibre, pimenta, canela, cravo, nós-moscada, etc.), que os portugueses trocavam por outras mercadorias e revendiam na Europa, obtendo lucros vultosos.

É importante lembrar que havia uma rota antiga para as Índias, que era utilizada principalmente pelos genoveses e venezianos. Essa rota passava pelo mar Mediterrâneo, indo até o Oriente Próximo, onde todas as mercadorias tinham que ser descarregadas, e se percorria o resto do caminho de camelo, mula ou mesmo a pé. Era uma rota difícil, dispendiosa e perigosa, e quando os turcos otomanos (já convertidos ao islamismo) tomaram o Mediterrâneo em 1453, as dificuldades para percorrê-la aumentaram ainda mais.

O português Bartolomeu Dias encontrou um novo caminho para as Índias em 1488. Seguindo esse caminho, Vasco da Gama, em 1495/1496, cruzou o Cabo da Boa Esperança (no sul da África) e chegou a Calicute, que era a cidade comercial mais importante das Índias, estabelecendo ali relações comerciais com os indianos. Vasco da Gama voltou a Lisboa em 1499, trazendo muita mercadoria: gengibre, pimenta, cravo, canela e outras especiarias. Foi recebido como herói pelo rei e pela população.

Em vista disso, o rei D. Manuel organizou uma nova expedição às Índias, chamando para ser seu capitão Pedro Álvares Cabral. Cabral tinha na época 32 anos e era um ótimo estrategista militar. Parece que o objetivo, dessa vez, não era só estabelecer relações comerciais com os indianos, mas também analisar as possibilidades de uma intervenção militar portuguesa nas Índias, ou seja, Cabral teria que, como se não quisesse nada, avaliar os riscos e estabelecer estratégias para uma provável futura invasão portuguesa de Calicute e de outros pontos estratégicos daquela região.

Pedro Álvares Cabral partiu com sua frota rumo às Índias. De acordo com o relato do escrivão Pero Vaz de Caminha, que estava na frota, na altura das ilhas Canárias um dos navios se perdeu. Cabral começou então a procurá-lo, desviando-se da rota, o que o levou ao Brasil.

A pergunta que os historiadores se colocam é a seguinte: será que esse afastamento foi só mesmo para tentar encontrar o navio que se perdeu ou foi porque Cabral sabia, ou pelo menos tinha uma idéia, de que ele encontraria alguma coisa ali? No norte, o navegador Cristóvão Colombo havia encontrado um novo território, e os portugueses sabiam disso...

Para quem não conhece a história de Colombo, ele era um navegador experiente de origem italiana – era genovês – que tentou vender uma idéia para os portugueses: a de que se eles navegassem rumo a Oeste, dariam a volta ao mundo e chegariam às Índias, porque a terra era redonda. Os portugueses, céticos, não acreditaram e resolveram investir mesmo na “Carreira da Índia” passando pelo Cabo da Boa Esperança. Colombo então foi vender a sua idéia aos reis de Castela, que acreditaram nele e financiaram a sua viagem. Colombo "descobriu" a América em 1492, só que morreu achando que tinha chegado às Índias.

No período em que Portugal não sabia ainda o que fazer com o Brasil, a única atividade econômica que os portugueses estabeleceram ali foi a extração do pau-brasil, que era uma madeira que produzia uma tintura “cor de brasa” (vermelha), de alto valor comercial na Europa, utilizada principalmente nas manufaturas de tecidos.

Por volta de 1530, o comércio com as Índias já não era tão vantajoso aos portugueses devido à concorrência com outras potências marítimas.

Os lucros obtidos por Portugal com o comércio oriental estavam diminuindo, o que, aliado à ameaça de invasão estrangeira do Brasil, fez com que o rei de Portugal decidisse colonizar o território de fato, ou seja, explorar, povoar e defender, dando um rumo econômico diferente (e mais lucrativo) para a nova colônia.

Em 1530, o rei de Portugal, D. João III, enviou ao Brasil uma expedição comandada por Martim Afonso de Sousa, que teve como objetivo percorrer a costa brasileira, reconhecendo o litoral, e dar início ao estabelecimento de um sistema administrativo que permitisse a colonização do Brasil, sistema este que ficou conhecido como "Capitanias Hereditárias". O Brasil foi dividido em 15 capitanias.

Mas o que era uma capitania hereditária? Naquela época, capitania era uma divisão territorial e política dentro de uma colônia. Era um espaço territorial delimitado que pressupunha, também, dentro de seus limites, a presença de uma autoridade administrativa. As capitanias hereditárias foram a primeira experiência de descentralização política no Brasil. Por quê? Porque cada capitania era governada por uma autoridade, o capitão donatário, escolhido pelo rei de Portugal. Não havia centralização do poder nas mãos de uma única autoridade no Brasil, mas várias autoridades, vários capitães donatários governando em territórios delimitados – por isso descentralização do poder –, uma forma de organização política muito parecida com a do sistema feudal.

A missão do capitão donatário era povoar o território da sua capitania, fazê-lo dar lucro e defendê-lo de invasores estrangeiros.

Embora o rei de Portugal estivesse acima do capitão, este não era funcionário do rei, não representava o estado, era apenas um nobre interessado em ficar rico no Brasil.

O capitão donatário tinha poderes quase absolutos sobre quem vivia na sua capitania: ele tinha poder para criar vilas, administrar a justiça e questões relativas à produção econômica; podia mandar prender, matar... Só não podia fazer tudo porque havia um documento que, de certa forma, limitava um pouco (mas muito pouco mesmo) o seu poder: a Carta de doação e Foral, que estabelecia os direitos, algumas leis, os tributos a serem pagos ao rei e ao próprio capitão, entre outras coisas. Fora isso, o poder do capitão sobre a sua capitania era imenso, quase absoluto.

O problema foi que apenas duas capitanias prosperaram: a de Pernambuco, no Nordeste, e a de São Vicente, no Sudeste. Em vista disso, em 1548 o sistema de capitanias hereditárias foi extinto e o rei de Portugal decidiu colocar no seu lugar um sistema administrativo centralizado: o Governo Geral.

A Capitania de Pernambuco deu certo porque conseguiu dar início à cultura da cana e à produção de açúcar de forma relativamente organizada. Conseguiu também defender e povoar o território.

Já a Capitania de São Vicente deu certo não por ter iniciado uma atividade econômica que se mostrasse lucrativa, porque nesse ponto o seu capitão donatário não foi muito bem sucedido – embora tenha havido ali um certo desenvolvimento da cultura canavieira –, mas ele conseguiu povoar a região de forma satisfatória e montou ali um sistema de defesa eficaz que, na opinião do rei de Portugal, deveria ser mantido para defender aquelas terras mais ao sul contra uma possível invasão estrangeira.

Temos então duas capitanias que deram certo e um Governo Geral – instituído em 1548 –, na Capitania da Bahia (por ter sido o primeiro ponto de ocupação do território brasileiro), com sede em Salvador (cidade criada em 1548 justamente para ser a sede do Governo Geral do Brasil).

O primeiro Governador Geral do Brasil foi Tomé de Souza, que veio acompanhado de outros funcionários (pagos pelo estado português) para auxiliá-lo na sua tarefa administrativa centralizadora: o provedor-mor, responsável por assuntos de finanças, ligados à fazenda (impostos, sobretudo); o capitão-mor, responsável pela defesa da colônia; e o ouvidor-mor, responsável pela aplicação da justiça do rei.

Tomé de Souza foi Governador Geral do Brasil de 1549 até 1553, e foi a partir do seu governo que se desenvolveu a indústria açucareira no Brasil.

Por que o açúcar? Primeiro porque os portugueses não tinham conseguido encontrar ouro e prata naquele momento inicial da colonização e precisavam de uma atividade econômica que fornecesse mais riqueza ao estado português do que a simples extração de pau-brasil (o açúcar era uma especiaria na Europa). Depois, porque eles já dominavam as técnicas de produção de açúcar, que eram já empregadas em outras possessões portuguesas, como na ilha da Madeira e nos Açores.

Só que eles precisariam de uma mão-de-obra adequada, porque o índio, na visão dos portugueses, não era bom escravo.

Foi aí que teve início o tráfico negreiro para o Brasil.

A África, na época dos descobrimentos, era formada por várias tribos (nações) diferentes de africanos. Os portugueses, já no início do século XV (anos 1400), começaram a estabelecer contato com essas tribos africanas e logo perceberam que a escravidão era uma instituição naturalmente aceita entre elas. Os portugueses, logicamente, tiraram proveito disso, comprando escravos dos próprios africanos.

O que acontecia era que essas tribos entravam em guerra umas com as outras e as tribos vencedoras escravizavam os prisioneiros das perdedoras. Esses prisioneiros eram, então, trocados no litoral por mercadorias que os portugueses traziam: armas, tecidos, rolos de tabaco, vinho, aguardente, roupas usadas, chapéus, etc.

Logo que desembarcavam no litoral brasileiro, os escravos eram reunidos num armazém e depois separados em lotes para serem vendidos.

Foi assim, então, que se introduziu no Brasil o sistema escravista, como um acessório da economia açucareira.

No final do século XVII, diante da crise dos engenhos de açúcar no nordeste brasileiro, os portugueses começaram a investir na produção manufatureira em Portugal (de tecidos, sapatos, roupas, etc.), para ver se com isso a economia portuguesa se reerguia. Só que essa iniciativa acabou não dando certo e foi abandonada.

Enquanto isso, no Brasil, os paulistas, colonos da capitania de São Vicente, davam início às suas expedições pelo interior do Brasil. Encontraram muito ouro na região que, mais tarde, foi chamada de Minas Gerais, no final do século XVII, entre 1693 e 1695; depois, em Mato Grosso (1719) e, mais tarde, em Goiás (1726). A capitania de Minas Gerais foi criada em 1720.

O rei de Portugal viu aí a chance de resolver todos os problemas econômicos de Portugal e mandou logo promulgar, em 1702, o Regimento dos Superintendentes, Guardas-mores e Oficiais Deputados para as Minas de Ouro (instrumento de centralização e controle). Esse regimento se manteria até o término do período colonial, apenas com algumas modificações.

Vamos agora dar um salto para o ano de 1820. Nessa época, a elite brasileira era formada por grandes proprietários rurais, em particular os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Contava com a simpatia de altos funcionários, militares e também comerciantes brasileiros e estrangeiros, que queriam que o Brasil fosse livre para comerciar com a Inglaterra e outros países, sem depender da intermediação portuguesa, que era prejudicial aos seus interesses. Essa elite tinha consciência da precária situação de Portugal (devido à crise do ouro e ao seu enfraquecimento político após a fuga da família real para o Brasil, em 1808) e não queria depender de um país em decadência. Queria, na verdade, um Brasil independente, livre para vender seus produtos – principalmente o café – a qualquer país que pudesse pagar por eles.

Já a elite portuguesa (no Brasil e em Portugal), formada principalmente por comerciantes portugueses, queria um Brasil colonial, submetido a Portugal e aos interesses de sua burguesia.

Em resumo, a elite brasileira queria o liberalismo econômico, a livre concorrência, e a elite portuguesa queria a volta do monopólio comercial português (abolido pelo Príncipe D. João em 1808, quando veio para o Brasil), porque só assim ela teria condições de crescer economicamente.

Mas no fundo, podemos afirmar, o que a elite brasileira queria mesmo era poder. Ela queria participar das tomadas de decisões, governar o Brasil de fato, para poder conduzir a política a seu favor, a favor do Brasil cafeeiro, agro-exportador. Ela não queria o retorno do regente D. Pedro (filho do agora rei D. João VI) para Portugal, porque via nele a possibilidade do Brasil se tornar uma nação independente e liberal, não só economicamente – como já estava sendo, desde a abertura dos portos em 1808 –, mas também politicamente.

Foi com esse objetivo que a elite brasileira apoiou a resistência de D. Pedro em voltar para Portugal e, depois, em 1822, o movimento de Independência.

Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro declarou a independência do Brasil e passou a ser o seu imperador (rei).

Tem início aí o Brasil Império (1822-1889)

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